Trama, 2022

‘A criatividade é o habitat ideal’

Trama é a relação de habitar a própria pele, assumindo o conforto e o desconforto de ser eu mesma, coisa que cada pessoa sabe o que é, levando em conta que a vida é feita de traumas & tramas, entrelaçada entre caos e harmonia, e um emaranhado de situações adversas, confusas & tragicômicas. 

Como posso transformar essa relação, unindo os fios condutores da criatividade aos elementos que orientam minha visão de futuro?

Foi a partir de uma blusa de lã vermelha, comprada de segunda mão, gola simples, sem etiqueta, com marcas de uso, que aprendi um pouco a técnica do tricô, ao acrescentar uma gola alta de 36 centímetros e muito estreita à cabeça (no caso, a minha). Estive empenhada no processo de trançar os fios, mesmo em férias com amigas no Gêres e seus visuais relaxantes. Quando a blusa estava pronta como planejado, realizei um registro fotográfico em disparos contínuos da ação de vesti-la e desvesti-la. Vale ressaltar que, apesar de parecer confortável, a blusa não se adequava bem à minha cabeça, o que tornava constrangedor vesti-la, já que apertava tanto na entrada quanto na saída, provocando uma dificuldade intencional que me intrigava.

[trama – criatividade]

Criar tramas organizadas e padrões conectados entre si, traz uma ideia de poderosa conexão com a vida artística e colaborativa que eu desejo reforçar em mim mesma, e que encontra eco na simbologia da aranha para o xamanismo, a tecelã da teia da vida e do destino, pois representa a manifestação da energia feminina da força criadora, onde suas teias conectam tudo o que há entre a Terra e cosmos, trazendo atenção para a importância dos estímulos e dos impulsos que nos interessam mais; não de uma criação qualquer, mas a criação que traz mais sentido para a vida.

[trama – armadilhas da psique]

A ação de vestir a blusa foi uma ação desconfortável, mas retirá-la trouxe uma sensação de conforto que fez lembrar que às vezes, os problemas com os quais estamos emaranhados foram criados por nós mesmos, gerados pelos infrutíferos pensamentos descontrolados da nossa psique. 

[Linha – da lã e do tempo]

Na exposição “Ruído”, orientada por Miguel Leal, imprimi a sequência de imagens em cartões, onde dispus horizontalmente lado a lado, criando uma linha do tempo <como em um editor de vídeo> ao longo dos 12 metros da parede, de uma extensão à outra, ao lado da blusa de tricô. A disposição das imagens formou uma faixa vermelha única, e ao caminhar ao lado dessa faixa, criou-se uma dinâmica de movimento para o olhar. A vermelhidão das fotografias na parede branca criou uma analogia com o fio de lã da blusa, reforçando a conexão entre ambos.

[trama – em harmonia com a vida criativa e colhendo os frutos]

A mensagem da aranha no xamanismo sugere que, algo tecido no passado, produziu resultados satisfatórios e que podem ser acessados no presente, com certeza, com prazer e com abundância. O fio ao ser trançado, cria padrões que podem mudar durante o percurso. Não estamos somente jogados à sorte do destino, também temos o poder e a responsabilidade de direcionar nossas experiências com consciência & intenção, apontando para os caminhos que queremos seguir e os terrenos férteis onde queremos nos construir, sem romantizar é claro, a precariedade inerente à vida de muitas pessoas.

[Vestir uma cor de cura, o vermelho]

Essa cor denota urgência por ação! Para mim é a cor de auto recuperação: quando preciso reabastecer a bateria, é dela que eu consumo em demasia. Vermelho é a cor da novidade porque é a que salta aos olhos primeiro, é avant garde, provocativa, é desafiadora & mágica.

*

Ficha Técnica: Blusa de lã sintética, 33 cartões de 36 x 6,7 cm cada, dispostos ao longo de uma parede de 12 metros

Assistente de captação da imagem: Ricardo Sá Nogueira

Fotos por Luis Novaes